Direitos Humanos e a Quarta Revolução
- Luís Pedro Monteiro
- 16 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2023
O físico norte-americano, Michio Kaku, escreveu no seu livro «The Future of The
Mind» que os dois maiores mistérios em toda a natureza são a mente e o universo.
Quão fascinantes são os mistérios do universo para os habitantes deste mundo quando existem milhares de milhões de outros mundos lá fora? Quão incríveis serão as respostas que o futuro nos poderá dar?
A mente surpreende-nos pela imensurabilidade do seu potencial, desde logo, pondo-nos em confronto com a própria individualidade, "conhece-te a ti mesmo" é a primeira e, talvez, a mais complexa missão da existência.
Supõe-se a existir de uma conexão íntima entre a mente e o universo, ainda que inacessível à nossa compreensão atual.
Sabemos, no entanto, que o ser humano se distingue dos demais seres atenta a sua capacidade de projetar e planear o futuro.
Na base desse princípio, foi-nos possível evoluir na decorrência dos séculos, transformar os sonhos de alguns nos sonhos de muitos.
Martin Luther King Jr. sonhou pelos direitos dos negros; Emmeline Pankhurst pelos direitos das mulheres.
Vários foram os sonhadores que nos permitiram sonhar em conjunto. Bem nos dizia Fernando Pessoa, "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce".
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) íntegra, também, essa dimensão de sonho.
Com o propósito de dar resposta às atrocidades cometidas na primeira metade do século mais sangrento de toda a nossa História, no rescaldo da 2ª Guerra Mundial, surgiu como instrumento que visou garantir mínimos de justiça comum a toda a "família humana", prevendo direitos e garantias de âmbito universal.
Com efeito, nem sempre a ambição do sonho entra em harmonia com a realidade. No passado dia 10 de dezembro, celebrámos os 72 anos de existência desta Declaração. Ao passo que nos congratulámos, não podemos ignorar o longínquo percurso que temos
pela frente.
Sem qualquer desvalor pela DUDH, ou outras que a ela se seguiram a nível regional, a História já nos evidenciou a insuficiência de tais instrumentos se estiverem em dissonância com a realidade. E aí a questão assume outros contornos.
Sem o propósito de nos alongarmos excessivamente, parece-nos que parte das causas dos atropelos aos Direitos Humanos reside na desconsideração do pensamento orientado à centralidade do Homem, marcado por uma certa estagnação doutrinária, que nos tornou prisioneiros das concetualizações do pensamento clássico.
Ao passo que invocamos a «aproximação dos povos», estreitamos laços pela via da aproximação regional, continuamos a perfilhar conceitos de territorialismo e de poder que remontam a períodos históricos de controvérsia sobre a centralidade do Homem.
É exemplo disso o conceito de soberania («supremacia interna, independência
externa»), formulado por Jean Bodin, no século XVI.
O conceito de soberania, formulado por Jean Bodin, serviu de base às monarquias absolutistas, parece a continuar a servir de justificação ao controlo, restrição e imposição do Governante ao Governado hodiernamente.
O mundo mudou. E se durante muito tempo as mudanças eram observáveis pelo decorrer dos séculos, hoje são notáveis pelo decorrer das décadas. Nunca o ritmo de evolução foi tão veloz.
E isso deveu-se, em grande medida, ao desenvolvimento tecnológico, que materializou a ideia de "Aldeia Global" e nos levou ao encontro da designada Quarta Revolução.
O conceito de Aldeia Global surgiu com o filósofo Herbert Mcluhan, no século XX.
«A expressão tornou-se popular após a publicação de algumas obras deste autor, apontado como o primeiro filósofo a debruçar-se sobre as transformações sociais provocadas pela revolução tecnológica. Cfr., p.e., The Gutenberg Galaxy (1962), um livro que se tornou essencial pela profundidade filosófica, lucidez e assertividade impressionantes em matérias de tão sensível premeditação».
in, Ciberidentidade - Enquadramento Jusfilosófico (Parte I), p. 8, nota 3.
Da materialização deste conceito, podemos retirar a conclusão de que, além da aproximação entre os povos, representou uma ampliação da consciência global ou, no
dizer do professor Castanheira Neves, despertou a "consciência jurídica geral"; aqui não já não apenas de uma comunidade circunscrita a um determinado território, mas de todos aqueles que integram a "família humana" de que a DUDH nos fala.
Sem mais, isso significa que a modernidade vigente já não permite ignorar tamanhas atrocidades cometidas, e que ocorrem pelo mundo fora, contra o valor mais sagrado de todos: a vida humana.
De modo que, perpetuar uma ignorância deliberada, possa representar uma certa cumplicidade da designada "família humana", conformando-se em aceitar reiteradas violações aos direitos humanos mais elementares, com o sacrifício de minorias cujo infortúnio do local de nascimento condenou à privação da mais elementar dignidade humana.
Devemos resignar-nos? A inteligência e racionalidade que nos define, parece dar-nos uma resposta imediata.
A verdade é que a realidade é dinâmica. O presente e o passado comunicam-se na esperança de um futuro melhor.
Caminhamos ao encontro da designada Quarta Revolução, a revolução da inteligência artificial, da bio e nanotecnologia.
Afirma-se que a evolução das próximas décadas registará um nível correspondente àquele que se verificou durante séculos da nossa História. Prevê-se que a esperança média de vida possa atingir os 110 anos, que as doenças se combatam pela prevenção e, no essencial, que se observe uma conexão profunda entre o Homem e a Tecnologia.
Os mistérios do futuro são inacessíveis, mas as evidências do presente incontornáveis. A fusão do homem com a máquina deixará a ficção científica, a realidade que nos espera é simultaneamente entusiasmante e temerosa.
Será que nos séculos vindouros a "consciência da Humanidade", de que nos fala a DUDH, estará suficientemente fortalecida para compreender, pelo menos, a igualdade natural de todo o ser humano? Ou será que a robótica ambicionada, que se prevê adquirir uma inteligência autónoma cada vez mais reforçada, necessitará de nos dar lições de humanismo?
Talvez a resposta a toda esta problemática se encontre, precisamente, no conceito de Aldeia Global, que poderá impulsionar um novo despertar que, apoiado na intensificação da revolução tecnológica, demonstre que o Mundo é pequeno demais para clivagens tão amplas, que a regionalização foi um passo importante para a aproximação dos povos, mas a solução final não possa ser outra que não uma aproximação de caráter mundial, que poderá pôr em causa as convicções políticas, sociais e económicas conforme as conhecemos.
É possível que não e tudo seja demasiado utópico. Mas, então, também é possível que tenhamos de nos resignar à impossibilidade da DUDH ter, em algum momento da história, potencialidades para assumir um verdadeiro caráter universal.
Ao invés, poderá tornar-se obsoleta no decorrer dos tempos, transitando de uma pretensão de juridicidade para um documento histórico-político que ambicionou por um Mundo diferente, mas sucumbiu às adversidades.
A injustiça permanecerá.
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