O caso de George Floyd: um sonho antigo
- Luís Pedro Monteiro
- 10 de jun. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de out. de 2024
George Floyd, em pleno século XXI, tornou-se mais um mártir de um sonho antigo, o sonho que Martin Luther King partilhou com o mundo, em 1963.
O sonho permanece, o desejo de transpô-lo para a realidade também, mas vinca a impossibilidade de quebrar as correntes que velhas doutrinas implementaram na sociedade.
Vivemos num mundo onde permanece a convicção de que nos distinguimos em cidadãos de primeira e segunda categoria. Num mundo convicto de que a cor da pele nos diferencia no valor ou sabedoria, num espírito de rivalidade e competição em alcançar um estatuto que nos eleve na consideração e respeito social.
Não acreditamos na igualdade natural. Construímos um modelo social cujos instrumentos sociais, políticos e legais implementados intensificam abruptamente o apego a velhas doutrinas que distinguem os mais “fortes” dos mais “fracos”.
E tanto maior é a expressão dessa realidade quanto menor é o culto pelos direitos humanos, quanto menor é o respeito pela vida do próximo. O problema de fundo não está na brutalidade policial, mas nas causas que levaram à sua propagação global. Portugal não é exceção a essa realidade, ainda que pouco azo de sê a essa discussão.
Existem problemas notórios na base deste problema. Aponto alguns, que me parecem inequívocos:
(i) Escasso entendimento do significado dos direitos fundamentais, que resulta da fraca formação em torno da sua valorização, respeito, garantia e proteção;
(ii) Débil formação técnico-jurídica, designadamente, quando à relevância processual de normas cujo entendimento em primeiro lugar, cumprimento em segundo, garante a verdadeira promoção e respeito dos direitos do cidadão comum;
(iii) Problema da mentalidade de grupo, que leva à atuação ao modelo de gang, com temor da discórdia;
(iv) Perigo do cumprimento cego de ordens, ainda que ilegais.
O cidadão comum nada tem contra as autoridades policiais, aliás, é o primeiro a elogiá-las quando atuam no devido cumprimento da lei, não obstante as consequências negativas que daí possam resultar.
Existe uma concepção errada do conceito de autoridade policial, tende a perpetuar-se algo distinto: autoritarismo. É que autoridade não coloca nenhum agente numa posição de vantagem perante um civil, pelo contrário, coloca-o numa posição de especial zelo, especial dever de agir nos termos e limites da lei. Torna-o um servidor, não um usurpador.
Fosse a lei cumprida escrupulosamente e a questão da brutalidade policial seria uma não questão. É difícil isso acontecer quando grande parte não compreende sequer normas elementares de processo penal.
A verdade é que o desconhecimento da lei não abona a favor do cidadão comum, por maioria de razão, não pode fazê-lo junto daqueles que tem um especial dever de a respeitar e fazer respeitar.
A todos os polícias que agem no regular cumprimento das suas funções, saibam que os cidadãos vos agradecem, vos respeitam e são solidários com os perigos das vossas funções. Aos outros, não merecem usar a farda e, cedo ou tarde, vão acabar por perdê-la. Os tempos já não permitem camuflar os pequenos tiranos que por aí andam.
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