Princípio da Imediação
- Luís Pedro Monteiro
- 7 de fev. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 27 de set. de 2024
Justiça, a busca milenar de todos os cultores do Direito.
"Dar a cada um o que é seu", dizem-nos os teóricos desde a Antiguidade Clássica.
Da aparente simplicidade, transporta-nos para um conjunto de variáveis tão complexas quanto os mistérios do universo.
Talvez nos defeitos e contradições humanas resida a complexidade, talvez, mais do que um índice de evolução, o estágio atual represente o longo percurso que temos pela frente, conscientes de que a ultramodernidade vigente não poderá interferir na sua ultima ratio.
Pode contribuir, mas também poderá transformar-se num perigo relevante a médio prazo, num futuro vincado por significativos avanços em matéria de inteligência artificial. Daí poderá resultar uma inédita sobreposição do progresso tecnológico aos direitos humanos mais elementares, mas indissociáveis da delimitação da fronteira entre o «justo» e o «injusto».
Concentremo-nos no princípio da imediação que, desde o século XIX, mudou o paradigma da justiça e tão relevante papel assumiu - e assume - em matéria de conformação das decisões judiciais, com especial destaque em matéria penal.
Corolário do princípio da oralidade, estabelece uma relação íntima com a proteção da memória do julgador. Daí a justificada previsão do artigo 328.º, nº 6 do CPP, dispondo-se que "O adiamento (da audiência) não pode exceder os 30 dias", sob pena da perda de eficácia da prova produzida.
Nas palavras do Professor Germano Marques da Silva: "A imediação é inimiga da dilação".
E parece claro o fundamento, ainda que o referido artigo seja porta aberta para longas discussões doutrinárias; por exemplo, no caso de se verificar a necessidade de baixar o processo ao tribunal a quo.
O STJ já se pronunciou sobre a matéria. Entendeu que a decorrência do tempo é irrelevante nessas situações, desde que o suprimento da nulidade não determine nova deliberação, mas apenas "esclarecimento da fundamentação" ou "melhor fundamento da deliberação tomada" (v. Ac. STJ, de 25-01-2006, Proc. nº 05P3460; Relator: Henrique Gaspar).
De modo que a aparente clareza da geral, torna-se enevoada perante as exceções, a realidade fáctica e o necessário equilíbrio entre os diferentes princípios jurídicos presentes.
Com efeito, é de aceitação pacífica o progresso representado pela implementação deste princípio nas diferentes ordens jurídicas. Nem se procura negar essa evidência.
No essencial, permite ao julgador realizar um juízo de credibilidade de determinado depoimento ou declaração, com base na linguagem corporal e comunicação não verbal, nomeadamente, com base em hesitações, gestos, expressões.
Nas palavras de Calamandrei (v. Ac. STJ, de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822):
"(...) na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam, desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra do afirmado com elas"
Com efeito, o julgador não é especializado em linguagem corporal ou comunicação não verbal. E isso gera questões pertinentes. É sobre isso que falaremos numa outra abordagem em torno desta matéria.
Por ora, cumpre-nos dizer o seguinte: as exigências dos tempos atuais - v.g., videoconferências - constituem um atentado perigoso contra este princípio nevrálgico da dinâmica judicial.
A digitalização, enquanto expressão inequívoca de progresso, não pode substituir-se a relações indelevelmente humanas.
LPM
Comments