Publicidade na Advocacia: «publicidade não solicitada» v. «publicidade não orientada» #2
- Luís Pedro Monteiro
- 27 de jan. de 2022
- 6 min de leitura
Atualizado: 30 de mai. de 2023
A «publicidade direta não solicitada» está vedada aos advogados, nos termos do artigo 94.º, n.º 4, alínea e) do EOA.
Apesar disso, escrevemos no último artigo que assistimos a uma prática crescente de anúncios, por parte de profissionais da advocacia, que colidem diretamente com a previsão desta norma.
Será razoável apontar como razão de crescimento o contexto de pandemia em que vivemos há praticamente dois anos, tendo criado sérias dificuldades de relacionamento – especialmente nos períodos de confinamento decretados –, e, portanto, levado alguns profissionais a agirem, de forma consciente, contra as proibições impostas pelo artigo 94.º do EOA.
Achamos que a publicidade na advocacia é fundamental, além de inevitável no curto/médio prazo, mas discordamos destas práticas, sobretudo, quando acompanhadas de declarações do género "Honorários mais baixos do mercado", "Honorários mais justos", etc.
Discordamos dessas práticas porque, além da letra, violam o espírito do EOA, cuja finalidade reside na preservação dos princípios e valores fundamentais da profissão, no fundo, na defesa da sua dignidade, não olvidando a relevância social e interesse público que lhe subjaz. São práticas desprovidas da atribuição de valor, fazem uso da publicidade na sua ótica tradicional: uma publicidade oca, desconectada e desprovida de senso e razoabilidade.
Em todo o caso, a publicidade na advocacia não pode permanecer sujeita às restrições atuais, que são excessivamente onerosas e impedem o desenvolvimento da carreira do advogado. Talvez por isso surjam, cada vez mais, ações desconformes às normas do EOA, nalguns casos: são atos de desespero.
Neste sentido, sugerimos uma interpretação distinta da alínea e) do n.º 4 do artigo 94.º do EOA, ou – e porque não? – a alteração de um mero vocábulo na letra da lei, passando a constar nesta alínea «proibição de publicidade direta não orientada» ao invés de «proibição de publicidade direta não solicitada».
Neste contexto, e antes de prosseguir, parece-nos que a abertura de novos horizontes da publicidade na advocacia deve passar pela maior aposta no marketing de conteúdo, sendo um marketing que, do ponto A ao ponto B, atribui valor, conhecimento e fortalece uma relação de confiança junto do potencial cliente, que é fundamental na advocacia (como noutras áreas).
O ponto A representa o primeiro contacto estabelecido, que poderá ocorrer através de anúncios como iremos ver; o ponto B, representa a consolidação de uma relação comercial entre o advogado e aquele que passa a ser seu cliente ou constituinte. Entre os dois pontos, há um caminho de atribuição de valor que permite gerar, aumentar e solidificar uma relação de confiança.
E o que tem tudo isto a ver com a «publicidade direta não solicitada»? Do nosso ponto de vista, tem tudo a ver. Vejamos um exemplo que melhor explicitará o nosso ponto de vista.
Imaginemos um advogado que produz conteúdos, por exemplo, na área do direito contraordenacional e criminal – até poderia ser uma área menos "sensível", mas vamos utilizar este exemplo para demonstrar aquilo que pretendemos.
Aliás, em 2021, produzimos um breve vídeo em que colocávamos esta questão no âmbito de uma área distinta:
Esse advogado, que tem um site – algo pacífico hodiernamente, ainda que nem sempre tenha sido assim –, produz diversos conteúdos nestas áreas, por exemplo, artigos (ou vídeos) do género "Saiba quais os direitos que tem numa Operação Stop", "Fui constituído Arguido. Que direitos tenho?", etc.
Imaginemos, então, que esse advogado recorre a anúncios pagos para que o seu conteúdo atinja, com mais facilidade e maior abrangência, o seu público-alvo. Inequivocamente, estamos perante atos de publicidade direta.
Mas estão eles vedados pelo artigo 94.º, n.º 4, alínea e)?
Se fizermos uma interpretação extensiva desta alínea e), com probabilidade, concluiremos pela circunstância destas situações estarem abrangidas pela proibição, pois ainda que o advogado não esteja a vender os seus serviços, terá esse fim em vista, pelo que podemos considerar tratarem-se de malabarismos para contornar a proibição em causa e atrair a atenção de potenciais consumidores dos seus serviços.
Porém, é preciso notar que a partilha de conteúdo se tornou pacífica. O LinkedIn é um bom exemplo disso. E parece razoável entender que esses conteúdos partilhados nas redes sociais, pelo menos parte deles, extravasam o caráter informativo, visando atrair a atenção de potenciais clientes. Aliás, de quando em vez, visualizamos anúncios patrocinados no LinkedIn, ainda que seja uma realidade a operar timidamente.
É precisamente o que está aqui em causa, sendo certo que supomos a publicidade destes conteúdos num ambiente mais amplo, o Google, com potencialidade para reconduzir os consumidores dos mesmos ao site do advogado, do escritório ou sociedade, ao invés de plataformas externas.
De modo que, sendo pacífica a partilha de conteúdo, coloca-se apenas a questão da admissibilidade de ser publicitado, visando atingir um público alvo certeiro, isto é, consumidores interessados em conteúdos correspondentes àqueles que o advogado partilha, aumentando a probabilidade de que se tornem futuros clientes.
Se admitimos essa interpretação, de que é possível partilhar esses conteúdos através de anúncios pagos, que não visam atribuir qualidades ao escritório ou ao advogado, nem a venda direta de serviços, talvez tenhamos aí uma "rota de fuga" do advogado relativamente às proibições de publicidade. Portanto, o advogado poderá desenvolver a sua atividade através do marketing de conteúdo publicitado.
Podem levantar-se questões, por exemplo, "E o segredo profissional?", "E se, admitindo isso, o advogado se tornar um mercenário da publicidade?". São questões válidas, mas, diríamos nós, para quem não queira admitir, em qualquer circunstância, que o advogado possa recorrer à publicidade.
Relativamente ao segredo profissional, não tem necessariamente de ser posto em causa para que o advogado possa atrair a simpatia dos consumidores de conteúdos por si produzidos; quanto ao facto de se poder vir a tornar um mercenário, convém não esquecer que, como qualquer outro profissional, o advogado está sujeito aos princípios gerais da publicidade, nomeadamente, da veracidade e identificabilidade, conforme resulta da própria Lei Fundamental e consoante a densificação realizada pelo Código da Publicidade.
Acresce que será contraditório, atendendo ao rigoroso processo de formação do advogado, dizer que está apto para desempenhar as funções, mas que se tiver a possibilidade de recorrer à publicidade, se tornará um energúmeno.
Em todo o caso, podemos entender que estas situações se englobam no âmbito da «publicidade direta não solicitada», ou seja, apesar desses anúncios não visarem a venda direta, são um mero expediente para atingir essa finalidade, não passando no crivo da proibição disposta no artigo 94.º, n.º 4, alínea e), por conseguinte, atos ilícitos de publicidade.
E ainda que se admita que o advogado possa recorrer à publicidade nos termos descritos, isto é, através da partilha do seu conhecimento junto do leigo em matérias jurídicas - acrescentando valor e garantindo a liberdade de decisão do consumidor dos seus conteúdos -, ainda que se queira optar por essa interpretação, que nos parece razoável, permanecerá sempre a dúvida, inibindo o advogado – sobretudo o mais jovem – em arriscar e cometer eventuais atos ilícitos de publicidade, pelos quais tenha que vir a responder perante o Conselho Disciplinar da Ordem.
Nesse caso, talvez existam duas soluções razoáveis para solucionar o problema:
A Ordem toma posição – v.g., através de pareceres – esclarecendo a admissibilidade do advogado recorrer à publicidade nestes termos;
A Ordem promove alterações ao artigo 94.º, n.º 4, alínea e), substituindo «publicidade direta não solicitada» por «publicidade direta não orientada».
Na primeira situação, aceleraria o processo, sendo menos dispendioso e permitindo uma nova dinâmica sem necessidade de alterar o EOA.
Já na segunda, sujeita a maior complexidade, permitiria ampliar o leque de possibilidades da publicidade na advocacia, podendo ser alterações acompanhadas de diretrizes orientadoras da ação do advogado, apesar de já resultarem das disposições em matéria de publicidade (prima facie, o Código da Publicidade).
Sabemos que doutos ilustres defendem a simplificação do artigo 94.º do EOA, ao invés de torná-lo mais complexo. Veja-se, por exemplo, a recente conferência promovida pelo Conselho Regional de Lisboa.
A nós parece-nos que, sem alterar a alínea e) do nº 4 do artigo 94.º, dificilmente se vislumbrará um novo paradigma de publicidade na advocacia, que sirva os interesses do advogados, mas que também sirva os interesses do cidadão comum.
Afinal, através do marketing de conteúdo, não estamos a falar de uma publicidade feroz, oca, que visa única e exclusivamente o lucro, estamos a falar de um tipo de publicidade que beneficia o consumidor destes conteúdos, atribuindo-lhe a possibilidade de subscrever a lista de contactos do advogado, e portanto, alavancar a relação para outro patamar; mas que também lhe dá a liberdade de não o fazer, beneficiando do conteúdo que consumiu e possa ter sido bastante para esclarecer as suas dúvidas.
Enfim, são estas ideias claramente questionáveis. Na realidade, são meros apontamentos que resultam de uma investigação que vimos a desenvolver desde 2021. Nessa investigação, temos vindo a trabalhar em torno da (in)constitucionalidade do regime atual da publicidade na advocacia.
À parte dessa discussão mais técnico-jurídica, acreditamos que os advogados não podem permanecer ad aeternum à margem da evolução dos tempos, sob pena, aliás, do aumento de práticas desconformes ao EOA, que se podem tornar incontroláveis, conforme assinalámos no último artigo sobre esta matéria. E o móbil não reside na desconsideração dos deveres deontológicos a que o advogado está adstrito, mas no desespero financeiro em alguns casos, aliado à incapacidade de demonstrar o seu mérito profissional por impossibilidade de recorrer a ferramentas que permitiriam fazê-lo.
Todavia, defendemos um recurso à publicidade que procure conciliar a liberdade do seu recurso com a integridade dos valores e princípios norteadores da profissão. Dessa forma, não deve ser uma publicidade absolutamente desregulada, que possa levar a cenários caricatos, no limite, semelhantes aos da famosa série «Better Call Saul».
Defendemos uma publicidade que exige trabalho e esforço, que assenta na partilha de informação e conhecimento, não significando isso que o consumidor venha a dispensar os serviços do advogado, mas que possa, a partir do momento em que começa a acompanhar o trabalho do advogado, aferir sobre o seu mérito, credibilidade e desenvolver uma relação de confiança. Aí sim, poderá decidir-se pela contratação dos serviços deste profissional.
Num próximo artigo, procuraremos analisar a matéria da publicidade na ótica da jurisprudência portuguesa.
Um bem-haja.
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